Nova Lei de Licitações: Gestão de Riscos, Controles Preventivos e Interação com as Autoridades

Por Adriana Dantas, Eloísa Gomes e Marina Nicolosi

Dentre os aprimoramentos trazidos pela Nova Lei de Licitações nº 14.133, de 01/04/21 (“Nova Lei”), certamente merece destaque a atenção dispensada ao controle das contratações públicas, em linha com a tendência de preservar a segurança jurídica e a integridade, em seu sentido literal, das organizações.

Assim é que o Capítulo III é totalmente voltado às regras de “Controle das Contratações”, estabelecendo, logo de início, as responsabilidades (i) dos servidores e empregados públicos, agentes de licitação e autoridades que atuam na estrutura de governança da entidade contratante, na condição de integrantes da 1ª linha de defesa; (ii) das áreas de assessoramento jurídico e de controles internos do próprio órgão, representando a 2ª linha de defesa; e, por fim, (iii) dos órgãos centrais de controle interno da Administração Pública (i.e. controladorias-gerais) e dos tribunais de contas, os quais encerram, sendo a 3ª linha de defesa, a estrutura de gestão de riscos e controle preventivo obrigatória do processo de compras públicas exigido pela Nova Lei.

Capacitados pelos próprios tribunais de contas por força do artigo 173 da Nova Lei, os integrantes das três linhas de defesa acima estão obrigados a adotar medidas que busquem o saneamento de impropriedades formais simples por eles constatadas e o respectivo aperfeiçoamento dos controles preventivos que evite nova ocorrência, inclusive por meio de treinamento dos agentes públicos responsáveis. Proporcionalmente, em se tratando de irregularidades efetivamente danosas à Administração Pública, além das medidas anteriores, a apuração das infrações administrativas e a sua remessa ao Ministério Público são mandatórias.

Destaca-se que, alinhada às melhores práticas de Compliance, não apenas a Nova Lei é taxativa quanto à observância da segregação de funções e individualização das condutas durante o processo de apuração de ilícitos, como estabelece igualmente a todos os integrantes das linhas de defesa o dever de reportar e de adotar medidas perante os fatos, ou seja, de não ser omisso.

Neste prisma, um dos grandes méritos da Nova Lei é o de atribuir extrema relevância ao papel da alta administração das entidades públicas licitantes em diversas oportunidades, de modo a assegurar a continuidade e permanência da efetiva gestão de riscos e controles.

Ao apresentar os objetivos do processo licitatório em seu artigo 11 (contratação mais vantajosa; tratamento isonômico e justa competição; evitar sobrepreços; e incentivo à inovação e desenvolvimento sustentável), a Nova Lei prevê que a responsabilidade pela governança das contratações é da alta administração do órgão/entidade, a qual “deve implementar processos e estruturas, inclusive de gestão de riscos e controles internos, para avaliar, direcionar e monitorar os processos licitatórios e os respectivos contratos, com o intuito de alcançar os objetivos estabelecidos no caput deste artigo [11], promover um ambiente íntegro e confiável, assegurar o alinhamento das contratações ao planejamento estratégico e às leis orçamentárias e promover eficiência, efetividade e eficácia em suas contratações”.

Referida disposição é essencial para a efetividade e robustez de qualquer processo, constituindo um relevante alinhamento da Nova Lei de Licitações com a Lei Anticorrupção nº 12.846/13. Na mesma linha, a Nova Lei espera da alta administração, em seu artigo 169, parágrafo primeiro, que a referida alta administração assegure a adoção de recursos, especialmente de tecnologia da informação, ponderando custos e benefícios da implementação das práticas de gestão de riscos e controle preventivo, sempre ambicionando a promoção das relações íntegras e confiáveis entre todos os atores do processo licitatório e contratação pública, com segurança jurídica a todos eles, e, por conseguinte, com eficiência, eficácia e efetividade.Neste sentido, a Nova Lei se antecipa e inova ao criar o PNCP – Portal Nacional de Contratações Públicas, com o objetivo de facilitar o acesso à informação, a divulgação obrigatória dos atos exigidos pela Nova Lei e possibilitar a realização da própria contratação pública, de maneira facultativa. Merece destaque que não apenas os instrumentos relacionados ao contrato em si serão divulgados, também o PNCP constituirá um sistema de registro unificado, com painel para consulta de preços e da base nacional de notas fiscais eletrônicas e ao Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas – CEIS e ao Cadastro Nacional de Empresas Punidas – CNEP, importantes fontes sob a ótica de compliance.

Encerrando o ciclo de gestão de riscos e controles preventivos bem contemplados pela legislação, o PNCP também permitirá o registro da interação dos interessados por mensagens de texto e a comunicação com a população em geral, em formato aberto. O mesmo se aplica ao processo de licitação em si, cujos atos serão, em regra geral, digitais, gravados em áudio e vídeo, com ata, inclusive nas interações prévias ao certame.

Acredita-se que a Nova Lei trouxe muitos avanços no âmbito das medidas de controle e gestão de riscos, consolidando os parâmetros nacionais de Compliance em compras públicas, não apenas exigindo das empresas licitantes, mas também da própria Administração Pública as melhores práticas que visam assegurar sobretudo o interesse público. Espera-se que tais regras sejam amplamente adotadas pelos entes licitantes, ainda durante o período de transição de dois anos entre os instrumentos normativos anteriores e o atual.