“Efetividade dos programas de compliance é maior desafio de integridade para empresas”, diz Adriana Dantas em webinar do IBRADEMP

O monitoramento integrado dos programas de compliance foi o tema do webinar realizado pelo Instituto Brasileiro de Direito Empresarial (IBRADEMP), com participação de Adriana Dantas, advogada especialista em compliance e comércio internacional e membro do Comitê de Integridade da Petrobrás. A sócia do escritório homônimo discutiu o assunto junto ao vice-presidente e Deputy Chief Compliance Officer da companhia Orthofix, Denis Jacob, e os coordenadores do IBRADEMP, Bruno Maeda, Carlos Ayrese Giovanni Paolo Falcetta.

Assista ao vídeo completo.

Para Adriana Dantas, o monitoramento integrado, que abarca o acompanhamento de ações diárias do ambiente interno da empresa e do  cumprimento de acordos com autoridades externas, é um dos pilares para um programa eficaz de compliance. Neste sentido, monitorar riscos da empresa é um princípio fundamental. Minha visão como monitora independente, e sobretudo como quem decide processos administrativos de responsabilização (na Petrobrás), indica que há três níveis na apreciação da matriz de risco da empresa – (i) conferir se a matriz de risco da empresa foi desenhada corretamente, (ii) checar se a empresa tem recursos necessários para endereçar esses riscos identificados e, principalmente, (iii) observar se o programa de compliance funciona. Ou seja, conferir se há uma aderência entre as políticas e práticas da empresa. Pela minha experiência, neste terceiro item está o ponto mais importante”, explica a advogada.

Para ilustrar esse entendimento, a especialista explicou que em muitas empresas “há matrizes de risco construídas sob metodologias razoáveis. Na maioria dos processos de revisão de risco, elas são bem desenhadas por profissionais competentes. O programa também é desenhado à luz dessa matriz. Mas, na hora de a gente ver se o programa funciona, vemos um problema”.

Por que os programas de compliance muitas vezes não funcionam?

Durante a conversa com os especialistas, Adriana indicou que em muito casos os recursos da área de compliance da empresa não estão mensurados adequadamente, prejudicando a efetividade do programa. “É muito importante alocar recursos de pessoas com perfis distintos na área de compliance. Também como o DOJ (Departamento de Justiça dos Estados Unidos, na sigla em inglês) reforça, é necessário que área de compliance tenha acesso a dados da empresa e que faça um tratamento adequado deles. Mas se a área de compliance não tem um perfil multidisciplinar, não consegue retroalimentar o sistema com esses dados. Esse é um exemplo da necessidade da integração”, explica.

Outra recomendação para a gestão de recursos de compliance é a priorização de atividades. “Muitas vezes vemos a área fazendo due diligences até para as contratações mais simples de terceiros. O mais importante não é o volume, mas sim entender os critérios adotados para priorizar as diligências”, explica Adriana. 

Um terceiro ponto de atenção para as empresas aparece quando percebe-se que a área de compliance não está interagindo com as demais áreas do negócio, o que também prejudica o funcionamento do programa de integridade corporativa. “O programa de compliance é um instrumento que visa mudar o comportamento de uma organização, visando a construção de uma cultura de integridade em todos os níveis. Muitas vezes vemos a área de compliance isolada em um canto e focando em coisas procedimentais. Isso acontece muitas vezes porque elas são formadas só por advogados, que podem ser vistos como distantes do negócio”.

Qual é o papel do monitoramento para a efetividade dos programas de compliance?

É fundamental entender as diferenças entre monitoramento externo de compliance, monitoramento interno e monitoramento integrado.

Monitoramento interno: Voltado para as ações dentro da empresa, com foco em processos e pessoas, é o acompanhamento dos procedimentos necessários a cada dia para garantir a integridade do negócio. “Para uma companhia saudável, o monitoramento interno é tão relevante quanto as necessidades básicas são na vida das pessoas, como beber água e fazer exercícios”, exemplifica Adriana.

Monitoramento externo: acompanha os acordos de leniência feitos entre empresa e autoridades, como o DOJ e o Ministério Público Federal (MPF). O objetivo do monitoramento externo é certificar que a empresa ‘virou a página’ e não repetirá os ilícitos feitos antes das denúncias ou acordos. “Como monitora independente de empresa que acordou com o MPF, veja que os procuradores sempre se questionam se a organização está adequada para impedir que as violações voltem a ocorrer. Para responder a esta questão, além de mapear os riscos, é importante checarmos em que estágio estava o programa de compliance da empresa quando o ilícito foi delatado ou denunciado, se é que existia. Se existia, o que falhou? De lá pra cá, o que aconteceu? O monitoramento externo busca responder a estas questões”, disse Adriana.

Monitoramento integrado: Naturalmente integra as iniciativas dos monitoramentos interno e externo. “Se a empresa trabalhar para ter um monitoramento interno eficaz, cada vez mais, nos anos subsequentes, diminui a necessidade de interferência do monitoramento externo, que vai ganhando confiança na organização em suas táticas de integridade, já que que a companhia adquiriu credibilidade. Não queremos que a empresa dependa de um ‘medicamento’, sugerindo monitoramento externo. Queremos que a empresa atue de forma integrada para impedir os atos ilícitos”, relata a sócia.

Qual é o papel do monitor independente?

Como advogada e monitora independente, Adriana avalia regularmente a qualidade das evidências de denúncias apresentadas e comentou o assunto na live. Para a especialista, a qualidade da evidência pode ser mais relevante que a quantidade de denúncia, sugerindo a necessidade de um olhar analítico sobre Key Performance Indicators (KPIs).

“As KPIS nem sempre vão retratar a efetividade do programa ou da política adotada. No caso de denúncias, se o monitor se basear em quantidade, pode não chegar a uma conclusão relevante. Uma única denúncia pode ser mais significativa do que reclamações diversas e pouco complexas. O monitoramento contínuo exige a apreciação da qualidade de evidências”, explica.

“O fato de toda uma empresa ter sido treinada, por exemplo, não quer dizer que o treinamento foi efetivo. É muito recorrente a gente ver funcionários falando que fizeram um treinamento, mas por vezes não se lembram do conteúdo dele. O treinamento tem que ser repetido para realmente haver a mudança cultural”.

Seguindo o exercício do o papel de monitora, Adriana sempre tenta se certificar também se a empresa monitorada tem um sistema de consequências adequado. Para isso, ela compara ‘fotografias’ da empresa antes e depois de uma denúncia ou acordo de leniência, a fim de comparar o que mudou na companhia.

Case de monitoramento integrado na Petrobrás

Mais de 60% das empresas terceiras averiguadas em processo de due dilligence de integridade conduzido pela Petrobrás não têm instrumentos aptos para identificar riscos. Coletadas brilhantemente pela área de compliance da Petrobrás, liderada pelo executivo Edno Coutinho da Costa Junior, essas informações mostram o tamanho do desafio para a integridade corporativa no Brasil e foram citadas por Adriana Dantas durante o webinar.

Ainda de acordo com o mesmo levantamento, apenas 28% dessas empresas averiguadas tinham procedimentos relacionamento a terceiros, sendo que apenas 16% delas divulgam seus programas de compliance a esses terceiros. “Ou seja, a maior parte das empresas, quando contratam terceiros, não os instruem sobre valores, princípios e níveis de tolerância que o contratante terá em relação à prática de ilícitos. De certo modo, são dados alarmantes porque mostram que ainda há um caminho a ser percorrido”.

 “E quero frisar na questão da análise dos riscos. Se atualizar os riscos é uma etapa importante para o aprimoramento de programas de compliance, a identificação inicial desses riscos é a base de todo programa. Há empresas preparadas, claro, que inclusive fizeram revisão dos riscos com a chegada da covid-19, mas a realidade brasileira ainda é está muito distante do ideal.