A Paralisia do Órgão de Apelação e os Casos que Envolvem o Brasil

13/10/2020

Por Alba Duarte e Eloísa Gomes

O Órgão de Apelação da Organização Mundial do Comércio – OMC segue paralisado desde dezembro de 2019. O Tribunal Internacional é composto por sete membros com mandatos de quatro anos, prorrogáveis apenas uma vez por igual período. Com o fim dos mandatos e a oposição dos Estados Unidos à indicação de novos juízes, o Órgão se tornou disfuncional, e os países membros da Organização passaram a buscar por formas alternativas de conduzir apelações às decisões alcançadas nos painéis.

Avaliamos os dois casos que envolvem o Brasil e estão em fase de painel, são eles: DS522: Canada — Measures Concerning Trade in Commercial Aircraft” e “DS579: India — Measures Concerning Sugar and Sugarcane, nos quais o país atua como demandante.

O caso contra o Canadá envolve a empresa Bombardier e foi iniciado em razão de subsídios concedidos para o lançamento, desenvolvimento e produção de novos modelos de aeronaves civis (Projeto C-Series). Na disputa, o Brasil busca demonstrar que os subsídios recebidos pela empresa nos últimos anos (um montante superior a US$ 3 bilhões) provocaram sérias distorções no mercado de aeronaves de 90 a 135 lugares e têm resultado em graves prejuízos para a indústria aeronáutica brasileira. Em 8 de fevereiro de 2017, o Brasil solicitou consultas ao Canadá a respeito de medidas relativas ao comércio de aeronaves comerciais. Considerando a ausência de entendimento entre as partes, o Brasil solicitou a instauração de um painel em 18 de agosto de 2017, o qual foi estabelecido em 29 de setembro de 2017 e composto em 6 de fevereiro de 2018. São terceiras partes interessadas no painel: China, União Europeia, Japão, Federação Russa, Cingapura e Estados Unidos.

A pedido do Brasil, o painel teve suas atividades suspensas até novembro de 2020, em razão da crise causada pelo COVID-19. Embora a disputa esteja suspensa, Brasil e Canadá informaram à OMC que, caso seja necessário, os países estão de acordo em utilizar Procedimentos de Arbitragem. Assim, na paralisia do Órgão de Apelação, um Árbitro poderá decidir sobre qualquer contestação referente Relatório final do painel. Interessante notar que o uso da Arbitragem para litígios comerciais internacionais está se tornando comum com a paralisia do Órgão de Apelação. O próprio Canadá e a União Europeia já assinaram uma declaração conjunta sobre o uso de Arbitragem provisória, no qual preveem a utilização do mecanismo para eventuais apelações que surgirem enquanto o Órgão de Apelação estiver paralisado.

Já com relação ao caso contra a Índia, o Brasil questionou a política de preços adotada pelo governo indiano para proteger os agricultores de cana de açúcar das oscilações do preço internacional do açúcar. Segundo o Brasil, o país estabelece, anualmente, preços mínimos a serem pagos pelos processadores aos produtores de cana. Para além da política de preços, o Brasil acusou o governo indiano de adotar subsídios à exportação, com o objetivo de escoar sua superprodução. Autoridades brasileiras afirmam que a recente ampliação dos subsídios indianos tem causado impactos significativos no mercado mundial de açúcar, com prejuízo para as exportações brasileiras.

O Brasil, então, solicitou consultas à Índia em 27 de fevereiro de 2019, mas a questão não foi sanada. Por isso, um painel foi estabelecido em 15 de agosto de 2019. Atuam como terceiras partes interessadas no tema: Austrália, Canadá, China, Colômbia, Costa Rica, El Salvador, União Europeia, Guatemala, Honduras, Indonésia, Japão, Panamá, Federação Russa, Tailândia e Estados Unidos. Em 27 de abril de 2020, os painelistas informaram que, devido à natureza processual e factual complexa da controvérsia, a emissão do Relatório final às partes não se daria antes do segundo trimestre de 2021. Por isso, a depender do tempo em que o Órgão de Apelação se mantenha inativo, este caso também ficará suscetível à impossibilidade de apelação, incluindo a hipótese de a decisão ser contrária aos interesses brasileiros. Nesta disputa, porém, as partes ainda não aventaram a possibilidade de recurso à arbitragem.

Como vimos, a arbitragem se mostrou uma alternativa à paralisia do Órgão de Apelação. O mecanismo está previsto no artigo XXV do Entendimento sobre as Regras e Procedimentos que rege a resolução de litígios no âmbito da OMC. Destaca-se que as decisões arbitrais se designam apenas às partes envolvidas no caso (força inter partes). Os acordos de recurso à arbitragem, no entanto, devem ser notificados a todos os Membros com antecedência suficiente do início efetivo do processo, para que outros membros possam manifestar-se a respeito do interesse de tornar-se parte do acordo, mediante concordância daqueles efetivamente envolvidos.

Além disso, diferentemente da automaticidade concernente às decisões do Órgão de Apelação, as partes necessitarão alcançar um “consenso positivo” sobre o cumprimento e a implementação da sentença arbitral. A sentença deve ser notificada ao Órgão de Solução de Controvérsias. As disposições sobre “Fiscalização e Implementação das Decisões” e sobre “Compensação e Suspensão de Concessões” previstas para os Relatórios finais dos painéis e do Órgão de Apelação também se aplicam à sentença arbitral.

Acompanhe os painéis que envolvem o Brasil na página:

https://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/dispu_by_country_e.htm