Infrações e Processos Administrativos Sancionadores: o que muda com a Nova Lei de Licitações?

Por Adriana Dantas, Eloísa Gomes e Marina Nicolosi

Em vigor desde o início do mês, a Lei nº 14.133/2021, mais conhecida como Nova Lei de Licitações consolidou em único documento a Lei de Licitações (8.666/93), a Lei do Pregão (10.520/02) e a Lei do Regime Diferenciado de Contratações (12.462;11), inclusive suas infrações e respectivas sanções administrativas, bem como direcionamentos sobre a dosimetria de sua aplicação.

Infrações e Penalidades:

Referido instrumento estabelece no artigo 155 as infrações principais:

  • Dar causa à inexecução parcial ou total do contrato que cause, ou não, grave dano à Administração; ou mesmo ensejar retardamento da execução de serviço ou da entrega do objeto da licitação sem justificação;
  • Deixar de entregar documentação exigida para o certame ou para a contratação, bem como não celebrar o contrato, quando convocado dentro do prazo de validade de sua proposta;
  • Não se ater à proposta, salvo em decorrência de fato ulterior devidamente justificado;
  • Apresentar declaração ou documentação falsa exigida pelo certame ou prestar declaração falsa durante a licitação ou execução do contrato;
  • Fraudar a licitação, praticar ato fraudulento na execução do contrato, bem como cometer fraude de qualquer natureza ou comportar-se de modo inidôneo;
  • Cometer ilícitos almejando frustrar os objetivos da licitação;
  • Praticar qualquer dos atos lesivos indicados no artigo 5º da Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/13).

A título de sanções, tem-se:

  • Advertência, a qual somente poderá ser aplicada no caso de inexecução parcial do contrato que não tenha causado grave dano: (i) à Administração; (ii) ao funcionamento dos serviços públicos; ou (iii) ao interesse coletivo;
  • Multa, que poderá ser aplicada cumulativamente com as demais sanções no caso de quaisquer das infrações previstas na Nova Lei. Sua previsão deverá ser prevista no instrumento convocatório ou no contrato e poderá variar entre 0,5% e 30% do valor do contrato licitado ou celebrado por contratação direta.
  • Impedimento de licitar e contratar com a Administração Pública direta ou indireta do ente que executar a penalidade aplica-se apenas a determinadas infrações e poderá durar até 3 anos.
  • Declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública direta ou indireta estende-se a todos os entes federativos e poderá ter duração entre 3 e 6 anos. Esta sanção mais gravosa exige criteriosa análise jurídica e poderá ser aplicada por:
    • órgão do Poder Executivo, cuja competência é exclusiva de ministro de Estado ou de secretário estadual ou municipal;
    • Autarquia ou Fundação, aplicável exclusivamente pela autoridade máxima da entidade;
    • órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, pelo Ministério Público e pela Defensoria Pública no desempenho da função administrativa, igualmente de competência exclusiva da autoridade máxima do ente.

Vale destacar que nenhuma sanção acima exclui a obrigação de ressarcimento integral do dano causado.

O prazo de até 6 anos da Nova Lei para a sanção de impedimento de licitar / contratar aumenta o poder administrativo sancionador, na medida em que a anterior Lei nº 8.666/93 determinava como tempo máximo 2 anos, sendo igual à previsão fixada pela Lei das Estatais nº 13.303/16 (não alterada pela Nova Lei de Licitações). Significa dizer que, nesta Nova Lei, há um agravamento da sanção que triplica o tempo possível em que uma empresa pode ficar impedida tanto de participar de licitações como de contratar com o Poder Público. Para empresas que dependem desse tipo de prestação de serviço, um afastamento desta duração pode significar um impacto grave em sua saúde econômico-financeira.

Processo Administrativo de Responsabilização (PAR)

A aplicação das sanções de (i) impedimento de licitar e contratar; e (ii) declaração de inidoneidade para licitar / contratar será decidida em sede de processo administrativo de responsabilização (“PAR”), instaurado e conduzido por uma Comissão composta por, no mínimo, 2 servidores estáveis ou empregados públicos do cargo permanente com, no mínimo, 3 anos de serviço, preferencialmente, dentro do órgão ou entidade. Vale notar que o referido PAR se dará nos mesmos autos, sob o mesmo rito e tramitará perante a mesma autoridade competente para apurar e julgar atos lesivos tipificados em outras Leis de Licitações e na Lei Anticorrupção.

A prescrição poderá ocorrer em 5 anos da ciência da infração pela Administração Pública e será interrompida por instauração do supracitado PAR; ou suspensa, em razão de celebração de acordo de leniência ou de decisão judicial que inviabilize a conclusão da apuração administrativa.

A partir da Nova Lei, resta pendente de regulamentação específica a forma de cômputo e as consequências da soma de diversas sanções aplicadas a uma mesma empresa e derivadas de contratos distintos.

Reabilitação

A reabilitação do licitante ou contratado perante a autoridade que aplicou a penalidade é possível. A Nova Lei traz critérios para que o licitante seja considerado reabilitado, os quais também pendem de conciliação com a Portaria nº 1.214, publicada pela Controladoria Geral da União recentemente em junho de 2020 e outrora bastante aguardada para detalhar referido procedimento e requisitos da reabilitação da anterior Lei de Licitações nº 8.666 desde 1993.

Tal Portaria – em tese vigorando até que a citada Lei 8.666/93 perca sua eficácia em 2023 – estabelece apenas quatro requisitos para a reabilitação (art. 2º), ao passo que a Nova Lei de Licitação é mais abrangente e traz outros prazos a serem transcorridos (art. 163):

Portaria CGU nº 1.214/20 Nova Lei de Licitações nº 14.133/2021
Ressarcimento integral dos prejuízos causados; Reparação integral do dano;
n/a Pagamento de multa;
Transcurso do prazo de dois anos sem licitar ou contratar com a Administração Pública; Transcurso do prazo mínimo de: 1 ano para penalidade de impedimento de licitar/contratar; ou (ii) 3 anos da penalidade de declaração de inidoneidade;
n/a Cumprimento de todas as condições de reabilitação previstas no ato punitivo;
Decisão pelo Ministro de Estado da CGU, a partir de parecer jurídico da Consultoria Jurídica da CGU e análise técnica da Corregedoria Geral da União Parecer jurídico prévio, concluindo pelo atendimento dos referidos requisitos de reabilitação; e
Adoção de medidas que demonstrem a superação dos motivos determinantes da punição, o que inclui a implementação e a aplicação de programa de integridade, a ser avaliado pela Diretoria de Promoção da Integridade da Secretaria de Transparência e Prevenção da Corrupção da CGU. Implantação/aperfeiçoamento do programa de integridade, nos casos de apresentação de documentação ou declaração falsa no certame/licitação/contrato; ou da prática de ato lesivo previsto na Lei Anticorrupção.

Nota-se que tais regras almejam um mesmo objetivo, incorporando a Nova Lei, especialmente, o embasamento técnico-jurídico para a reabilitação e a necessidade de estruturas reforçadas de compliance exigidas pela Portaria da CGU. Tal Portaria, por sua vez, ainda é mais detalhada, na medida em que faz referência aos parâmetros do Decreto nº 8.420/2015 e da Portaria CGU nº 909/2015 para avaliação do programa de integridade e à Instrução Normativa CGU/AGU nº 2/2018 para a metodologia de cálculo do ressarcimento dos prejuízos (onde se inclui a multa da própria Lei Anticorrupção) – detalhamentos estes ausentes na Nova Lei.

Conclusão

Neste cenário de sanções e suas implicações envolvendo ato ilícitos praticados em licitações e contratos com a Administração Pública que podem, atualmente ser tratados sob diferentes documentos legislativos, a melhor forma se concluir o processo de transição dos próximos dois anos com o mínimo de percalços e discussões jurídicas certamente se dará por iniciativa e alto nível de preparação por parte dos entes públicos licitantes, estabelecendo critérios bastante objetivos, processos modernos e adequados à expectativa de otimização e eficácia da licitação trazida pela Nova Lei – ainda que optem pela aplicação das leis anteriores enquanto vigorarem, além da revisão, pelas autoridades, mais especificamente a CGU, dos instrumentos subsidiariamente aplicáveis à referida Nova Lei, de modo que se evite insegurança jurídica e até mesmo bis in idem.

Ao mesmo tempo, as empresas que atuam com compras públicas e licitações e que interagem com estes agentes públicos se preparar para enfrentar um aprofundamento dos critérios e controles pela Administração Pública, de modo a evitar incorrer nos ilícitos da Nova Lei e sanções significativamente mais gravosas no âmbito dos PARs, cuja tendência, mesmo antes da Nova Lei, já se mostra em alta (dados do Portal da Transparência (http://www.portaltransparencia.gov.br/sancoes) mostram redução de aproximadamente 50% no número de empresas declaradas inidôneas e suspensas (CEIS) ao passo que houve um aumento de aproximadamente 100% de empresas punidas (CNEP), especialmente até antes da pandemia, em 2019, ou seja, há um cenário de efetiva punição às empresas).