30/10/2020
Por Adriana Dantas e Eloísa Gomes
O mês de outubro de 2020 parecer marcar uma nova fase de relação entre Brasil e Estados Unidos, a partir da assinatura do Protocolo ao Acordo de Comércio e Cooperação Econômica (ATEC, na sigla em inglês) e do anúncio de investimentos americanos no Brasil.
No dia 19 de outubro, os governos firmaram o ATEC, que inclui três acordos, o Acordo de Facilitação de Comércio e Administração Aduaneira, o Acordo de Boas Práticas Regulatórias e o Acordo Anticorrupção.
O primeiro Acordo, de Facilitação de Comércio, versa sobre procedimentos em operações de importação e exportação, com vistas a reduzir a burocracia e diminuir prazos e custos nestas operações. Como exemplo, podemos citar a figura do “operador econômico autorizado”, uma espécie de “selo” a ser concedido a importadores e exportadores para agilizar o desembaraço de mercadorias. Contudo, a medida depende de visita das autoridades americanas a aduanas brasileiras, postergada em razão da pandemia. Conforme o Itamaraty, o Acordo “aprofunda e amplia as obrigações assumidas por Brasil e Estados Unidos no Acordo sobre Facilitação do Comércio (AFC) da Organização Mundial do Comércio (OMC)”.
O segundo Acordo, sobre Boas Práticas Regulatórias, traz cláusulas vinculantes, de forma a alinhar o Brasil com as melhores práticas estabelecidas no âmbito da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Estabelece o compromisso das partes em abrir um período mínimo de 60 dias para comentários acerca de propostas de mudança regulatórias que tenham impacto significativo no fluxo de comércio e investimentos entre as partes.
Já o terceiro e último Acordo a integrar o ATEC versa sobre Anticorrupção e estabelece o compromisso de assegurar medidas legislativas e outras para prevenir e combater a corrupção em quaisquer matérias que afetem o comércio e o investimento internacionais. Inclui obrigações quanto à manutenção e transparência de registros contábeis e referentes à difusão da cultura de integridade na administração pública.
Nessa mesma linha de intensificação da relação bilateral, foi um memorando de entendimentos (Memorando) prevendo a promoção de investimentos norte-americanos no Brasil de cerca de US$ 1 bilhão nas áreas de energia renovável, petróleo e gás, indústria, fabricação de aeronaves e telecomunicações, incluindo a tecnologia 5G.
Além disso, durante a Cúpula 2020 U.S.-Brazil Connect Summit , Robert Lighthizer, atual United States Trade Representative – USTR, mencionou o avanço de diálogos com o Brasil em diversas frentes, como defesa, investimentos, comércio de etanol e outras. O embaixador americano no Brasil, Todd Chapman, ainda ressaltou o interesse em dobrar o fluxo de comércio entre os dois países em cinco anos. Embora o conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, Robert C. O’Brien, em reunião com a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), tenha declarado que o Protocolo possa conduzir futuramente a um acordo de livre comércio, Lighthizer não se mostrou tão otimista em suas declarações no Summit. Em razão de um acordo do gênero dever ser aprovado pelo Congresso. Vale ponderar, ainda, que um acordo de tal natureza teria que ser negociado não apenas bilateralmente, mas no âmbito do Mercosul.
Vale notar que a assinatura desses instrumentos se dá em um momento marcado pelo recuo do comércio bilateral entre os dois países. Segundo dados do Ministério da Economia, as exportações brasileiras aos EUA, de janeiro a setembro de 2020, caíram 31,5%, e as importações diminuíram em 18,8% em milhões de dólares, comparando-se 2020 a 2019. Os US$ 33,4 bilhões em trocas comerciais foi o menor valor dos últimos 11 anos, segundo informações da Câmara Americana de Comércio no Brasil (Amcham). Ainda, o saldo da balança comercial no mesmo período foi de déficit para o Brasil, no valor de 3,1 bilhões de dólares. Apesar da queda ter se dado também em razão da pandemia, a queda dos negócios brasileiros com o mundo foi muito inferior: de 9,6%.
Não se pode negar a mensagem positiva que os referidos Protocolo e o Memorando passam no sentido de parceria e busca de alinhamento entre as duas maiores economias das Américas. Por outro lado, indaga-se os reais impactos que os compromissos assumidos terão para o aumento das trocas comerciais entre os dois países. Os termos dos Acordos estabelecem boas práticas que são muito válidas, mas não medidas concretas voltadas à liberalização do comércio, sobretudo no caso de produtos sensíveis e relevantes da pauta exportadora brasileira. Temos, pois, que há muito a ser feito e o cenário de incerteza quanto à real extensão dessa parceria persiste, sobretudo a poucos dias das eleições presidenciais americanas.
*Adriana Dantas é sócia-fundadora do escritório homônimo e membro do Comitê de Integridade da Petrobrás; Eloísa Duarte é advogada do escritório Adriana Dantas Advogados, especializado em comércio internacional e compliance